Guerreiros Digitais
Acesso à rede tem permitido que os indígenas ganhem voz, adotem novas formas de transmissão cultural, protejam a terra e recebam apoio no enfrentamento à covid-19
Muita gente ainda acredita que a utilização de smartphones, internet, computadores pelos indígenas faz com que eles se distanciem de sua cultura.
Mas muito pelo contrário, manter as comunidades conectadas é fundamental para conectar parentes distantes, fortalecer laços, perpetuar a cultura.
Vários ensinamentos de diversas etnias indígenas são passados de geração para geração de uma forma oral e que apesar de ter resistido até os dias de hoje é tudo muito frágil.
Hoje é possível utilizar celulares, câmeras, computadores, para fazer o registro de danças, cantos, músicas, rituais dos saberes indígenas e de seus anciãos que são história desse povo.
No contexto atual da pandemia, Anthony Karaí Poty, ativista e professor residente da comunidade indígena Terra Indígena do Jaraguá localizada em São Paulo, faz uso das redes para fazer denúncias e oferecer aulas de Guarani.
Anthony estuda computação gráfica e edição de vídeo para ajudar a comunidade e faz parte do coletivo indígena Guardiões da Floresta, juntamente com o Thiago Djekupe ativista indígena residente da Tekoa Itakupe, um dos 6 núcleos da TI Jaraguá e outros companheiros e companheiras.
Constantemente transmitem lives nas páginas Mídia Guarani Mbya no Facebook e instagram e @existeguaraniemsp no facebook.
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A página Mídia Guarani Mbya é um canal de informação, denúncias e divulgação do modo de vida, cultura e saberes do povo da Floresta.
No dia 19 de abril a página transmitiu seu 1º Evento Cultural, o evento mostrou jogos tradicionais indígenas, como Corrida de Tora, Cabo de guerra, pintura tradicional com jenipapo, danças e lutas tradicionais indígenas.
Os guaranis criaram a página quando fizeram uma ocupação no terreno vizinho a TI Jaraguá, onde a construtora Tenda derrubou centenas de árvores ilegalmente para construção de imóveis.
A construtora também violou a legislação brasileira porque a empresa não apresentou relatório sobre o impacto de seu empreendimento na comunidade indígena e além disso, mesmo durante a pandemia prosseguiu com os trabalhos na área contestada, colocando em risco a saúde dos moradores da TI Jaraguá.
A ocupação obteve sucesso e a justiça interrompeu as obras que seguem paradas. Recentemente completou um ano dessa luta e resistência contra a especulação imobiliária.
Seja na cidade de SP ou em outros lugares do Brasil a luta índígena continua.
“A gente tem a internet como uma ferramenta de proteção, eu e o Thiago fazemos muitas lives falando dessa questão toda de especulação imobiliária dentro do nosso território, a gente tem utilizado como uma maneira de proteger tanto nossa comunidade como a nós mesmos. A vida de liderança indigena não é fácil, sofremos muitas ameaças, é um monte de coisa vindo pra mim e para o Thiago”. Anthony Karaí Poty
Conversamos com Anthony para saber um pouco mais sobre a situação atual da comunidade e como eles vêm utilizando as redes durante a pandemia.
Como vocês se mantêm conectados na TI Jaraguá?
Anthony: O acesso a internet aqui é mais fácil por estar na cidade, até mesmo por isso que a TI Jaraguá acabou se tornando um grande centro de recebimento de doações para encaminhar para outras aldeias, aqui no Jaraguá a gente tem acesso wi-fi, internet via dados.
Alguns projetos ajudam a custear a internet e outros o próprio projeto dos Guardiões da Floresta.
As arrecadações que vem em dinheiro utilizamos para pagar a internet dos estudantes indígenas que vieram de outras aldeias e também para poder estudar online aqui, porque nas outras aldeias é muito complicado essa questão da internet.
Era tudo presencial e atualmente a gente tem fornecido internet via satélite, porém essa diferença de banda larga ela é muito grande pois na cidade quem tem fibra ótica via satélite só funciona em alguns momentos do dia, ou da noite a gente ainda tem essa dificuldade
Como é o contato com as redes na comunidade?
Anthony: Eu cresci vendo a tecnologia ao meu redor desde um celular simples até os smartphones de hoje, eu fui me adaptando. Quase todas as lideranças que atualmente a gente tem são pessoas mais antigas que não são da época do papel e da máquina de escrever e atualmente a gente tem alguns projetos inclusive pelos Guardiões da Floresta, que está tentando levar a internet para comunidades indígenas mais isoladas de Santa Catarina.
A gente entrou em contato com a empresa que fornece internet, mas o um custo é muito alto, não é somente levar uma antena e o roteador, é preciso levar os cabos, postes, a gente teria que fazer um investimento nessa empresa para levar internet até lá.
Porém a gente sabe que no mundo capitalista, quando não dá lucro não há muito interesse da empresa.
Como tem sido o acompanhamento pela FUNAI?
Anthony: O acompanhamento dos indígenas em relação a pandemia está muito difícil, nós sabemos que atualmente a FUNAI não é mais um órgão indigenista, ela é um órgão militar que defende os interesses de grandes empresas, isso é bem difícil, então recebemos ajuda de algumas ONGs e de muitas pessoas.
Vi que você começou a dar aula online de Guarani, como surgiu essa ideia?
Anthony: Isso começou na pandemia, no qual a gente se viu perdido em questões de renda financeira, que vinha muita da venda de artesanatos para turistas desde então a gente se viu numa situação de precariedade, tanto de saúde, quanto na alimentação de coisas básicas.
Percebi que as pessoas têm muito interesse pelo pelo idioma e cultura, algumas de forma acadêmica e outras por estar tentando entrar em contato com as suas raízes.
Resolvi aproveitar isso de forma online, apesar das dificuldades por conta da escrita e oralidade.
A gente encontra dificuldade pois na cultura Guarani é de costume sentar e conversar frente a frente com as pessoas. “
Falo da cultura, luta, escrita e fonética nas aulas, e é importante as pessoas tomarem conhecimento que existe uma língua indígena sendo falada em SP.
E como vocês colaboram com outras comunidades indígenas?
Anthony: Desde o início da pandemia, eu e os meninos e meninas que fazem parte dos projetos da floresta, temos feito muitos trabalhos para arrecadar recursos financeiros, fazemos distribuição entre as famílias.
Os excedentes nós fornecemos para outras aldeias, dependendo do tamanho delas, aldeias maiores alugamos caminhão para fornecer alimentos e itens de higiene.
Ontem a gente estava no Vale do Ribeiro na comunidade indígena Ka’aguy Hovye, lá tem muitas aldeias de forma mais isolada a gente precisa ajudar essas famílias, lá as pessoas precisam ir até a cidade para poder fazer algum tipo de comunicação, mas existe risco muito grande pela contaminação por conta da Covid.
Temos algumas solicitações de ajuda do Rio de Janeiro também, eles estão precisando de cestas básicas, a situação atual é bem difícil e a tecnologia vem nos ajudando na divulgação.
Ontem mesmo a gente viu a felicidade de ver famílias recebendo as doações e foi muito emocionante.
Vocês têm alguma campanha online para que as pessoas possam colaborar ?
Anthony: Temos PIX 482.365.318-13 – Valdemir Martins Verissimo, Banco do Brasil.
Quais alimentos e itens que estão mais em falta?
Anthony: Alimentos: cesta básica, farinha de trigo, feijão. Itens de higiene: sabonetes, pastas de dente e álcool em gel.
A comunidade indígena não está imune às transformações que a sociedade vive, existe muita sabedoria dos povos originários e aliando toda essa bagagem milenar com tecnologia se torna mais uma ferramenta de luta, mais que necessária, principalmente nesse momento político que vivemos.
Os livros didáticos contam a nossa história a partir de 1500, mas ela começa muito antes, é importante dar voz como uma maneira de conscientizar as pessoas e convidá-las a conhecer a nossa verdadeira história.
Essa luta é de todos, o direito ao território é de extrema importância, pois a terra é parte essencial, sem essa garantia, povos inteiros são condenados à morte.
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